domingo, dezembro 19

Sobre a Igreja

Tem um templo bonito, com um pé direito alto, vitrais coloridos, bom sistema de som e uma boa gente. O púlpito é todo feito de madeira, a decoração montada pelas voluntárias não é bonita, mas ninguém tem coragem de comentar.

O pastor, decano da igreja e do ministério, conferencista, escritor, exemplo de vida. Faz tempo que não fala com Deus. Um dia disse que faz as pregações pensando em algum membro, pensa no que alguma pessoa precisa ouvir e tenta associar com algum versículo, nem sempre o versículo faz sentido. Tem as terças-feiras de folga, e não sabe o que fazer com ela, então pega o carro e fica dirigindo por ai, sem rumo. Treina a impostação de voz, é uma boa técnica quando fala alguma coisa sem sentido. Gosta de deixar as orações por escrito pra não errar na hora. Mas na verdade é um homem de Deus, é um cara que muitas vezes buscou a Deus sozinho, e sempre que encontrava repousava o coração nEle. Deixou-se perder em suas imperfeições, em sua humanidade.

Em um dos cantos tá aquele cara que conheceu Deus a menos de um ano, um amigo contou de um Jesus que o aceitava da forma como estava. Na primeira vez não queria ter ido lá, mas algo o levou, assistiu o culto, mal se continha dentro de si, tinha vontade de gritar pro mundo inteiro ouvir que finalmente se achara no meio de toda confusão. A família não entendeu, a namorada não entendeu, os amigos não entenderam. Todo mundo achou que tinha virado um chato. Os primeiros passeios pela Bíblia reveladores, cada versículo fazia sentido. Conseguia se ver em cada um dos personagens, num Davi pecador, na tristeza de Jeremias, em Pedro,Paulo,Ester. Mas agora, esse era o primeiro vento mais forte que enfrentava, e começou a ter dúvidas se tudo que havia feito estava certo, afinal já estava cansado de ouvir que tudo que fazia era coisa de novo convertido.

Ao seu lado aquele amigo que o tinha convidado pra ir ali. O amigo nunca contou pra ninguém, mas fazia tempo que não acreditava mais, se sentia bem ali, fazia parte do grupo, sempre tinha uma roda de conversas pra participar, volta e meia fazia o papel de guitarrista da banda, dizia não querer participar em definitivo por não ter tempo pra se dedicar (mentira, era por não gostar de mentir). Estar no palco era uma boa sensação passageira, mas sempre que pensava em alguma das músicas que estava cantando chorava. As meninas achavam lindo a forma como se entregava no louvor, mal sabiam que era só resignação.

Na primeira fileira o diácono mais antigo de lá, líder de célula, todos gostam de ouvir suas orações. Ouvi dizer que elas têm poder. Apruma-se todo ao tomar o microfone, texto decorado, deu um jeito de colocar a palavra nova que aprendera no meio das frases, pena que o “novel” não combinava com o “shofar” e com o “varão”. Na verdade é o especialista em “ir orar”, alguém perdeu o emprego?”vou orar por você”, a mãe tá doente? “vou orar por você”, não consegue ir no banheiro? “vou orar por você”. Em casos mais complicados faz até corrente de oração. Gosta do cargo de “orador” dali, faz ele se sentir importante.

O casal da última fila, eles não conseguem se olhar. Não é raiva, é vergonha mesmo. Cresceram dentro da igreja, ela até sabe a ordem dos livros da Bíblia de cor, ele é o “pastorzinho” dos adolescentes, um exemplo de filho. Quando se apaixonaram cumpriram o protocolo, conversaram com o líder e passaram três meses orando, por um instante foi cogitada até a corte, escolha da santidade. Namoravam já tem dois anos, a palavra casamento às vezes era ventilada, não era o plano agora. Ele não queria, mas aqueles olhos, aqueles beijos, aquela tarde sozinhos em casa. Ela não tava afim, mas a mão dele trazia uma sensação boa, uma olhada não tira pedaço. Rolou. Eles realmente se amavam, mas já há uma semana não se conseguia trocar uma palavra, e não tinham ninguém pra quem contar. E eles tinham medo que descobrissem.

A família perto da janela. A crise conjugal já dura o casamento todo. Na real uma família bem comum, o cara trabalha todo dia pra sustentar a casa, ela arranjou um subemprego pra saciar as vontades, ou pra poder usar sapatos tão caros quanto os das irmãs da reunião de terça à tarde. O filho mais novo, adotado, tá começando a brincar de se drogar. A outra filha tá na coreografia, mas ninguém a avisou que ela não tem jeito pra isso.

O vocalista da banda, um jovem comum nas noites de sábado.

O cara do som, já pensou em se matar.

Aquela de branco, realmente acredita em Deus.

O seminarista com tendências homossexuais, quanto desejo de mudar o mundo.

A professora da EBD, já mudou a vida de muitas crianças.

O pastor aposentado, um espelho para o meu futuro.

E eu?Eu to ai, em todas as cadeiras desse lugar. Cada um desses corações é meu coração, cada um desses intentos é meu desejo. Todos eus dali têm defeitos, e é por isso que eu consigo acreditar. Não passei por essas histórias, essas vidas não são minhas, mas todas as minhas me levam pra perto de um Deus que quer me usar da forma como eu sou. Defectível, santificado!
Não sou, nunca serei, um exemplo de fé. Sou sim alguém que quer Deus.
Minha igreja não é feita de santos, minha igreja é feita de gente de carne e osso, que pensa e repensa, reflete a obra que Deus fez em nós. Minha igreja é um lugar de gente que quer crescer, que sonha com o céu e muda a Terra. Imperfeitos, entregues ao Criador, somos moldados todos os dias.
A minha IGREJA é aquela da Bíblia, aquela sem uma placa na frente com a foto do pastor.É a Igreja em maiúsculo.

Erramos, e alguns erros não têm volta. Acertamos também. Algumas condições não vão mudar nunca. Mas Deus sabe de tudo isso. É Ele quem conhece meu ser tão profundamente, é ele quem esquadrinha meus pensamentos, é Ele que vê minhas lágrimas escondidas.

Pós-moderno demais pros religiosos. Religioso demais pro resto do mundo