sábado, março 12

Uirapuru-Verdadeiro


Bicho feio, sem graça nenhuma. Se tiver passando por ai e ele tiver por lá, provavelmente nem nota. Passa batido.

Tá bom, mas tome tento que ele é signo no meio de tanta coisa bonita, e não é à toa. Ouvi já algumas lendas sobre, acho que minha preferida é a que ele é daqui do sul, que é um índio que fugiu pra Amazônia pra não ter que ver a amada, um índio enfeitiçado duas vezes, pelo amor e por um pajé. Tem outras, aliás essa mesmo já vi contada em várias versões. Mas é feio o coitado. Talvez até por isso seja melhor ser um pássaro, que embora em tão insossa imagem marrom se no voo qualquer se misturar com o laranja de depois da chuva faz um quadro bonito, num rasante pelas velhas seringueiras se perde nos ventos.

Uirapuru. Nosso pássaro. É símbolo pelo canto. Dizem que quando ele fala toda a natureza se cala no ruidoso silêncio. Canta asas, canta que é assim que faz da mata teu canto. Todo teu é o verde, todos teus os habitantes, todas flores e igarapés caudalosos.Tudo é teu, toda paixão, toda ilusão de beleza.

Quem se importa vida minha?

Quem precisa de olhos pra tanta melodia?

Que são as cores se podemos notas?

Canta Uirapuru, e traz sorte pro nosso povo. Um soldado da borracha, velho de catarata, da cabeça algodoada, ouve, enquanto come a marmita que a velha preparou na palafita. O velho sorri por saber que a sorte lhe escolheu na música do pássaro. O filho do látex é filho também da mata fechada, do Rio Madeira lamacento, e leva no peito nosso signo. Camisa semi aberta, semi cerrada, com botões caídos, sorri.

Quem ouve o Uirapuru cantar tem a fortuna. Quem nasce aqui também, só por ser tanto daqui quanto qualquer árvore, quanto a onça perdida, quanto o boto, quanto a vitória-régia, quanto nós.

Somos como o pássaro, Amazônia.