quarta-feira, novembro 6

Resta Um

Sentir-se ridículo, incapaz de tomar as próprias decisões, e mesmo assim gostar.
Pisoteio o céu azul sem que eu possa deixar de lançar um sorriso, sigo abobado enquanto desalmo sua pele macia e branca. Meus cabelos presos aos seus, sem nem tentar ao menos  desabotoar os sonhos grudados.
Se eu for embora, abra a primeira gaveta, e, antes que eu voe longe, releia todas as nossas cartas de paixão adolescente. Reacendendo o que nunca deveria ter apagado, eu tento te convencer que a gente vale a pena, e retorno a ser apenas seu namorado. Aquele do cabelo grande e que ainda sabia gargalhar minhas próprias piadas. Aquele que ainda não tinha se tomado pelo próprio cinismo, ranzinza.
Cabe em nós um atlântico de sentimentos desiguais. Quando eu te cobria de amor, você desesperada. Quando você voltou, eu não disse nada. E se o tempo passou, levou a gente junto, juntos, banhados no rio lamacento de esperanças. Somos enseada.


No meu quarto eu tenho uma parede que eu chamo de poluição visual. Escrevo o que eu quiser lá, boto as fotos que eu quiser, rabisco o que não quero mais. Tem seu nome escrito bem no meio, não é a única paixão que coloquei ali, mas deve ser a última. Lá tem aquela foto do pés desengonçados, a bailarina gorda. E tem você.

quarta-feira, setembro 11

Love Song

No silêncio das concentrações forçadas, dos números, contratos e planilhas desinteressantes, um alarido rompeu o silêncio. Era o primeiro sinal de vida daquele objeto, a faxineira terceirizada, não o celular.
Todos riram, quase sem querer é verdade, mas riram num sentimento quase infantil da risada do ridículo. Riram da música, velha e brega, distante do mundo clean e limpo deles (sinônimos reforçam a tese. Estrangeirismos fazem parecer mais culto, quando na verdade são é mais bregas, mais até do que a música, mas de mim não vão rir, não na minha frente).
A menina estava só passando, como só passa nesse cotidiano, e o telefone tocou, num love song daqueles das coletâneas que ninguém compra. Tem, ou deve ter, em torno dos 28, talvez 30 anos, mas não tem como saber, já que nunca falo com ela, mas ri. É engraçado o diferente, e quase nem deu pra perceber que ela abaixou a cabeça de vergonha e apertou o passo de uma vez, quase saiu correndo do ambiente inóspito. Ela não é desse mundo, eu sempre considerei que eu também não sou, mas ri do toque de celular dela.
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Depois de duas fileiras e 10 minutos, ela limpava a mesa da frente, quando me distrai olhando o rosto dela, tem uma bochecha rosa e gorda, um cabelo sempre preso e no alguma água enchendo o olho, quase chora. Distrai pensando em uma crônica antiga minha, escrevi quando tinha 16 anos e contava a história de um cara que ficava montando histórias a partir dos retalhos de conversas que ouvia pela rua, e assim através desses montes de diálogos desconexos montava um enredo particular, enchendo de aventuras, amores e tristeza a vida das personagens reais, desconhecidos na rua. Pensei também nas mensagens de amor que vi um estranho trocando ontem no Circular Sul, um menino do cabelo enrolado, sapato envernizado vermelho e colete social. A senha de desbloqueio do celular dele era um M. Era crente (depois de anos na igreja aprendi a perceber quem é, o que pode ser bom, ou pode ser só o reflexo da subcultura evangélica). Trocava torpedos de conquista com uma menina, dizia que queria conhecer ela melhor. Torci por ele.
Quando acordei ainda olhava a faxineira, numa distorção de Martin Buber filosofo que nunca nos relacionamos como Eu-Tu, ela nunca foi alguém como eu sou. As lágrimas quase escorriam, pensei em qual a história eu conseguia enredar para ela, onde ela morava, o que ela sofreu, o que ela amou, quantos anos realmente tinha, qual eram os sonhos dela. Poderia ser uma grande história, como acredito que qualquer um pode ser uma, mas não sabia nem seu nome, nunca tive interesse em saber. Tiver uma vontade incontrolável de perguntar se tava tudo bem com ela, não perguntei. A resposta mais fácil é culpar minha timidez, mas a verdade é que não perguntei por ter sido ensinado a não me interessar, nem por ela, nem por você, nem por ninguém.
-
Dia desses alguém disse que viu ela comendo uma marmita perto daqui, agachada num canto na frente de uma loja fechada, atrás de uma mureta. O alguém me contou isso com estranheza, disse que parecia um bicho. Acho que a estranheza é que esse objeto consegue até ser um bicho.
-
Atrás de mim alguém foi melhor com ela e puxou conversa, ouvi então parte da história, da separação dos filhos, dessa saudade latente que só as mães sabem sentir, contou da angústia de ser o suporte para outra pessoa, do sofrimento enrustida, encravado no peito. Contou pessoalidades que é melhor não recontar, mas vi que tinha uma história, um tanto quanto triste. Os pobres sofrem mais? Sim, sofrem a repressão de uma sociedade esquizofrênica. Mas e os outros, os que riem, sofrem? Também, e sem nem saber, são os reprimidos que aprendem a reprimir, sofrem sem nem saber. Não sabemos nem quem somos. Não quero saber do sofrimento deles, nem do dela, e nem mesmo do meu.
Nesse ambiente intencionalmente tão pouco humano, ela é a mais humana de todas. Ela só veio pra não perder o emprego. Ser o ridículo machuca.
Agora eu sei parte da história dela, e diz a pequena ética que não devo perguntar nem saber mais. No fim, continuo sem saber nem o nome dela.

quarta-feira, agosto 21

nome

você
mudou tanto
fez uns cortes no cabelo
e outros tantos na alma
(ou eu é que te fiz?)

quarta-feira, julho 31

38 anos

Faz um olhar blasé
Olha pra janela
Vê curitibocas
Vê neve
Curitibocas brincando na neve

Se segura na cadeira
-Ai nada ver essa piazada
Vê neve

... Acabou neve
-Era só chuva congelada. Como são ignorantes!

Era neve mesmo
-ah, mas não ia sair no frio né?!

Dai o curitiboca não brincou na neve.
Sejam mais criança as vezes, faz bem.

terça-feira, julho 9

Bucolismos, ou nome melhor


Desejo a sorte de poder viver na calma do teu coração, acordar no campo do teu abraço e dormir nas estrelas dos teus braços. Quero o som dos teus sussurros cantados como um sabiá recém-chegado, e o fim de tarde quero-quero de novo apaixonado.

Desejo a vida lenta e eterna de quem ama, um passeio em novos caminhos de para-sempres. A cachoeira perdida em sentimentos verdadeiros.

E no fim, o clichê de nós dois escondidos, sozinhos e perdidos no amor.

segunda-feira, julho 8

A do amor

Meu bem, a gente renasceu! Ou não, renasce quem já morreu algum dia, e nós não.
 
 
 
Ele juntou coragem, toda aquela que não tinha por si só (se bem que só juntou a coragem por saber que não era só, por mais que a vida e o destino insistisse que deveria ser). Já era quase 10, tinha ficado o dia inteiro indo ou não indo, bem-me-querendo e mal-me-querendo, enchendo o quarto de pétalas e a cabeça de sonhos.
Se o dia ia acabando em noite escura, se já era tempo que tinha que se desviar dos próprios desejos, se havia tantos ses havia tanta a vontade imensa a engolir os medos.
 
Pesou contra o banco na praça da frente da casa dela, ligou como se fosse sem querer, pediu desculpas sem querer pedir, óbvio que não era sem querer.
 
Eu sei, você sabe, todo mundo sabe, e até ela sabe que não era assim. Na verdade, era uma lua como todas as outras luas, pensando nele mirava o celular pensando em ligar, mas tinha apagado o número depois da briga.
E quando tocou o telefone encheu de si mesma.
Estranho não? Nem tinha certeza quem era, mas parecia conhecido o telefone na tela, parecia uma cena que vivera tantas e tantas vezes.
Estranho, era aquele menino estranho que até hoje fazia dela mais dela mesma.
 
-Oi.
-Oi?
-Oi com ponto de interrogação?
-É que faz tempo que não ouço oi.
-Gente mal educada nessa cidade, te digo oi então.
-Não, seu oi faz tempo.
-Ah, desculpa.
-Desculpa?
-É, te liguei, desculpa.
-Não precisa pedir. Quer dizer, você me ligou por?
-Sem querer, foi sem querer.
-Ah.
-Queria por querer?
-Nem sei.
-Como você tá pequena?
-To sorrindo, faz tempo.
-Do oi de novo?
-Do pequena.
-Desculpa, ainda não consigo evitar.
-Que você tá fazendo?
-Agora? Te ligando.
-Não, que você anda fazendo?
-Nada, na verdade liguei sem querer.
-Lembrei de uma vez, você me disse que sempre que alguém dizia "na verdade" tava mentindo. E eu perguntei o que você andava fazendo, e não se tinha ligado por querer.
-A gente se conhece tanto.
-Tanto que sei que não foi sem querer.
-Você já esperava?
-Desde a briga.
-Desculpa, eu só queria poder te ver.
-A gente marca de se encontrar, pode ser?
-Pode ser quando eu não aguentar mais ficar nem um minuto sem te ver?
-E quando vai ser?
 
Ele se levantou, deu uns dez ou quinze passos e tocou a campainha.
Ela sorriu, era previsível, mas sorriu.
Tinham discutido e terminado pela última vez meses antes, foram obrigados a tentar mudar a rotina para não mais se encontrarem, mesmo que o fizessem sempre quando encostavam no travesseiro. Mesmo que o coração gritasse que ainda não era o fim, tinham medo, e quase que se acostumaram que ia ser assim mesmo que iam fazer a vida, longes um do outro. Mas ele já não aguentava mais, ela já não se segurava, e por isso parecia tão natural parecer que não tinham passado nem mesmo um minuto distantes.
 
-Você tá bonita, você é bonita.
-Você é você, já serve.
-Tinha saudades, e quando tava quase esquecendo alguém vinha me falar de você.
-Não é fácil deixar passar depois de tanto tempo juntos.
-Nós crescemos juntos.
-Eu ainda não cresci.
-Você me completa.
-E vice-versa, que nem feijão com arroz.
-Música.
-Eu.
-Que tal nós?
-Nós?
 
Marina pensou bem, foi difícil esse tempo sem ele, mas ainda doía algumas partes desse amor.
 
-Eu não sei, tem certeza?
-Como nunca tive.
-Antes já disse ter.
-Agora é pra valer, volta.
-Nem sei se eu fui.
-Então fica.
-Não consigo, ainda não consigo. Acho que não consigo.
-Fica?
 
Marina respondeu com os olhos. E eu sei, você sabe, eles sabem que é agora é pra sempre, e sempre é amor.

A do ódio

O tempo todo fomos nós, e o tempo todo nós foi só você.
 
E eu, que nem sei muito bem o que é a vida, agora vou ter que fazer a minha sem mais sua voz aqui, sem mais nada aqui. E olha, nem sei na verdade se algum dia você me ouviu.
 
Mas já não importa, já não vale a pena pensar no que você é ou pensa. E esse banho quase gelado é pra tirar teu gosto de mim (do pouco que sobrou de mim), e as águas são a lágrima do meu corpo inteiro. Ainda manchado pelo seu pecado me dissipo inteiro pelo ralo, quebro as mãos no espelho só pra não ter que me ver, pois quando me vejo ainda sou você.
 
Enraivece não o seu jeito melado e falso de quem dizia te amo quase como xingando, nem quando xingava achando que era te amo. Porra, isso não é amor!
Escurece meus dias não os dias de sol, não os abraços dados, escurece saber que agora somos só passado, e que pra você é nada, enquanto pra mim é estrago.
 
Não sou nada, era nada que você queria. Eu era vida, e você só um dia, uma noite, uma tarde ou madrugada. Eu era sempre, você um encontro, desses que a gente tem em qualquer lugar, mas só um encontro. E encontros não são eternos. Nem nós.
 
Quero tanto, mas tanto, que sofro de tanto não querer querer.
 
Mas é, só é.
 
 
 
 
-Fecha água, junta os cacos, segue a vida.