quinta-feira, agosto 26

macaréu

O que existe é metade de mim, talvez perdida por ai.
Eu gosto de falar de amor, talvez por aceitar que alguns quebra-cabeças fiquem incompletos, assim sem nada demais, sem um motivo específico.
No mar vazio, no meio dos barulhos das ondas, com as gaivotas completando um cenário de foto turística, no meio de um coração de pedra, no meio disso tudo e nada.
Sendo visto por duas pessoas, sentadas ali da areia com os pés molhados e milhões de promessas. O oceano deslizava tranqüilo, imenso em si mesmo, completo por todas as partes, repleto de vida, mas faltando algo. Parecia não gostar nada do que assistia, sempre as mesmas coisas, os mesmos vôos dos albatrozes, os mesmos pescadores cedo, as mesmas pedras batendo nele, quem sabe um dia faria diferente.
Do outro lado um rio, correndo lívido, lépido e ao mesmo tempo, lento. Trazia em si o medo do novo, as lembranças do tempo de riacho, do nascimento, brotando de uma rocha cercada por flores, correndo rápido por meio da montanha, desviando das pedras, banhando as crianças, lavando as roupas das senhoras cantadoras do sertão. Um dia encontrou outros desses riachos, cada um com sua história, cada história com suas metades, e numa brincadeira de pega-pega correram juntos. Agora isso, nunca soubera em que parte do mundo chegaria, só sabia agora que estava chegando.
Quando a lua resolveu acordar era chegada a hora, os peixes nadavam contra a correnteza, com toda força lutavam pra sobreviver ao vasto oceano. As ondas cresceram de repente, um choque, algumas árvores derrubadas arrastadas pela corrente. Finalmente o encontro, num segundo dois, no outro um, num momento doce e sal, no outro simplesmente nós, sem definição alguma, alevinos dos dois jogados assim pra todos os lados, dançando juntos a primeira valsa matrimonial.
O oceano tão grande, tão autossuficiente agora precisava tanto de outras águas para ser feliz. Era feliz pois tinha toda essa parte que antes faltava. A água doce que tinha tanto medo agora repousava tranqüilo na sua maior metade, toda a incerteza fez desse encontro ainda maior. Quem diria, o oceano apaixonado?Quem ia prever, flúmen, feio e barrento, finalmente amando?
Algumas peças faltam em alguns quebra-cabeças, mas são tão poucos que prefiro falar das histórias completas.

cidade baixa

Quando eu quis mudar o mundo, quando eu achei que é possível fazer diferente.
Não tem nexo, não consigo aceitar que nós aceitemos tudo aquilo que incomoda assim, inertes.
Olhei da janela do carro, aqui dentro o clima controlado, uma música tocava, a trilha sonora perfeita pra minha hipocrisia. A cena não dura mais do que alguns segundos, assim como todas as vezes não me comove, é tudo sempre igual. Quando será possível entender que resignação é diferente de compaixão?
Do lado de fora um garoto correndo por entre os automóveis, quase atropelado, pés descalços, fome. Se eu tivesse alguma bolacha eu daria pra ele, e continuaria sem fazer diferença. A questão não está nas minhas ações, está no que eu realmente sinto quando vejo gente precisando de algo, sentir-me culpado não vai mudar a história de ninguém.
Nos outros carros cheio de gente vazias de tudo eu via uma parte daquilo que tento mudar. O que eu vejo? Nada mais do que pessoas apressadas, pra ir trabalhar, pra ir pra casa, pra ir pra igreja. Enquanto eu canto, o mundo morre.

domingo, agosto 8

Você e a lua

Em alguns momentos eu preciso entender o motivo de algumas coisas nunca mudarem, e mesmo que eu pense não dá pra entrar na minha cabeça o que se passa por trás do que não está ao meu alcance. Algumas coisas nunca mudam, eu e meu jeito de ser, você e seu jeito de olhar, o nosso jeito de amar, nossas brigas, nossos amores, essa tatuagem no meu peito, meu lado esquerdo e seu direito, na mesa todas as flores. Há coisas que simplesmente são iguais, mesmo que pareçam diferentes, a lua.
Num dia parece gigante, noutro tão pequena, tem vezes de dia, e muitas a noite, quem sabe perto ou longe? E eu nem tinha olhado pra ela. Sabe, por mais que eu ande de cabeça pra baixo, torcendo pra não ser reconhecido eu sei que ela continua no mesmo lugar e reflete sua luz em mim.
A distância distorce tanta coisa, muda a imagem e nos deixa tão confusos. O que parece aqui do lado na verdade é inimaginavelmente além daqui, e inverso. Mas apesar de tudo, ela está lá, transparente como um véu, bonita como uma foto na prateleira da sala, e imensa como nós, desprezíveis por nós mesmos.
Não sei até que ponto viajaremos, companhia de viagem, eu só quero viajar nessa astronave gigante, e pousar com você.

domingo, agosto 1

esboços (d)e conceitos

Mantendo os olhos fitos no lugar em que quero chegar eu sigo.
Com tanta coisa pra falar e pensar é difícil permanecer focado, mas quanto mais eu olho as coisas daqui mais eu quero andar, mais eu quero chegar lá!
Durante algum tempo eu troquei meus sonhos por objetivos. Se antes pensava em mudar o mundo, no momento eu só queria ganhar meu mundo, e acho que a questão está quase que justamente nisso, num certo egoísmo continuamos a andar como se não existisse o outro, mas o outro não existindo eu também não existo. Não está em mim a possibilidade de ser completo. Mas há algo mais essencial.
As palavras sobre busca de sentido carregam em si toda uma história pregressa que no fim das contas tira o sentido sobre a própria frase, mas a questão de sentido é a essência de toda busca, e toda busca só termina da Essência. É impossível ser completo por si só, é necessário que algo te ligue a alguma coisa maior, e as pessoas são a melhor dimensão mais simplificada dessa ligação. Se o outro não me enxergar em relação ao mundo eu simplesmente deixo de ser eu, ou não. A negativa diz respeito a algo maior que nossa visão, diz respeito a minha ligação maior que é com o Criador.
Até mesmo uma busca por dinheiro pode ser algo que te faça transcender, porém uma mudança de mercado acabaria com o sentido da sua vida. Uma grande amizade ou uma paixão são ótimas, mas nem sempre resistem a ventos que sopram durante toda nossa jornada. Entre tantas outras coisas que são bastante uteis nessa caminhada toda, a se pensar na arte por exemplo, nenhuma diz tanto respeito ao ponto que falo quanto o amor. Amor só é amor se vier de Deus, e por isso mesmo é um elo perfeito entre o eu, o você e o próprio Deus.
Bem, então minhas relações aqui têm muita influência na eternidade. Aliás, são expressão de todo esse conceito de eternidade, que não pode se limitar a dimensão de tempo, eternidade é muito mais do que isso, é plenitude. Não posso deixar que o que acontece aqui me desvie do meu alvo, que é estar com meu Deus. Isso tudo é algo do tipo otimista de se pensar, o que está errado nas minhas relações verticais eu tenho que trabalhar, e mais do que isso orar, para que Ele me ajude a que tudo aqui seja analogia dos planos que Ele têm.
De tudo, tenho que criar sobre mim mesmo uma imagem real, de alguém com suas vicissitudes e defeitos, e que por isso mesmo cria em toda a história de Deus uma beleza indescritível. Ser imperfeito e mesmo assim ter direto a escolhas é que possibilita que a fé seja acima de tudo uma forma de amor real e eterno. E ser a minha escolha.

OVNI

No lado de fora um invasor, um objeto não identificado voando, objeto voador não identificado.
Ela correu, ainda sem saber o que fazer, gritou a todo pulmões advertências àquela coisa vermelha e arredondada. A coisa pareceu não se importar, voava tranquilamente como se voa sem instrumentos, se o vento ia pra lá ela ia também, e pra cá. Num momento uma escolha que poderia representar tanta coisa, viver e deixar viver, ai é que estava a grande questão, qual decisão representava melhor opção de vida? Um ataque impensado e precipitado arruinaria qualquer chance mesmo que ínfima de derrotar o objeto, mas dar tempo parar que o invasor se estruturasse também significaria uma derrota.
Num momento o pouso, suave como uma pena, suave como tanta coisa que a gente faz questão de esquecer. Agora era a hora de decidir, o quê fazer? Um invasor no quintal de casa, correr pra buscar reforços parecia uma boa opção, foi o que fez.


Então eu fui até o quintal ver o motivo de a cachorra não parar de latir, estourei a bexiga que tinha vindo da festa no vizinho e voltei a dormir.