domingo, outubro 16

Bomboniere de vidro

Reaja moleque! E relaxa que a vida é boa.
Conte histórias, conte estrelas.

Senta aqui, com ouvidos prontos e coração aberto.
Veja ali,convido teu pranto e derramo o afeto

das caras valentes, dos sorrisos sorridentes
daquilo que é nossa gente.

Passa.

quarta-feira, setembro 21

Integral

A menina do canto do quarto não tem nome, só fome. É toda fome.

Não tem braços, hematomas.

Tem uma maquiagem natural feita de barro e água salgada.

Os cabelos crespos, de um amarelo branco recém penteados, agora caiam por entre os dedos ressequidos. Arrancados com raiva.

E vocês falam de Amor?Assim com letra maiúscula mesmo?

-Vocês falam demais!- grita a menina pra mim, que olho assustado enquanto meu cérebro refaz o discurso já preparado: ”Deus te ama!”.

(Nos cartões de aniversário que eu escrevia na infância sempre havia o epílogo “Deus te ama e eu também”. Ao menos agora eu não estava mentindo).

A menina do canto do quarto puxa com ódio os chapiscos da parede, chuta o ar, esmurra seus sonhos. Aumenta as feridas dos lábios mastigando o sangue velho. Enforca a goela em soluços. Arranha o focinho com o ranho seco.

Meu Deus, não é um animal!

-Não deveria ser.

Quase dormindo a menina cai a cabeça na quina da cômoda. Enquanto junta os papéis que caíram, não quer outra surra, vê aberto um livro azul.

Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós; e nós devemos dar a vida pelos irmãos.” sublinhado com uma bic vermelha saltava.

Continuou sem fazer sentido.

Fechou a Bíblia e foi dormir.

E nós falamos em Amor?Assim com letra maiúscula mesmo? É bom parar de só falar não?

sexta-feira, agosto 19

Regra

O português mais moço me disse que nesse avião não tem mais acento,mas vôo do mesmo jeito.

sábado, março 12

Uirapuru-Verdadeiro


Bicho feio, sem graça nenhuma. Se tiver passando por ai e ele tiver por lá, provavelmente nem nota. Passa batido.

Tá bom, mas tome tento que ele é signo no meio de tanta coisa bonita, e não é à toa. Ouvi já algumas lendas sobre, acho que minha preferida é a que ele é daqui do sul, que é um índio que fugiu pra Amazônia pra não ter que ver a amada, um índio enfeitiçado duas vezes, pelo amor e por um pajé. Tem outras, aliás essa mesmo já vi contada em várias versões. Mas é feio o coitado. Talvez até por isso seja melhor ser um pássaro, que embora em tão insossa imagem marrom se no voo qualquer se misturar com o laranja de depois da chuva faz um quadro bonito, num rasante pelas velhas seringueiras se perde nos ventos.

Uirapuru. Nosso pássaro. É símbolo pelo canto. Dizem que quando ele fala toda a natureza se cala no ruidoso silêncio. Canta asas, canta que é assim que faz da mata teu canto. Todo teu é o verde, todos teus os habitantes, todas flores e igarapés caudalosos.Tudo é teu, toda paixão, toda ilusão de beleza.

Quem se importa vida minha?

Quem precisa de olhos pra tanta melodia?

Que são as cores se podemos notas?

Canta Uirapuru, e traz sorte pro nosso povo. Um soldado da borracha, velho de catarata, da cabeça algodoada, ouve, enquanto come a marmita que a velha preparou na palafita. O velho sorri por saber que a sorte lhe escolheu na música do pássaro. O filho do látex é filho também da mata fechada, do Rio Madeira lamacento, e leva no peito nosso signo. Camisa semi aberta, semi cerrada, com botões caídos, sorri.

Quem ouve o Uirapuru cantar tem a fortuna. Quem nasce aqui também, só por ser tanto daqui quanto qualquer árvore, quanto a onça perdida, quanto o boto, quanto a vitória-régia, quanto nós.

Somos como o pássaro, Amazônia.

sexta-feira, janeiro 14

Lluvia

Vem cá, tá tudo bem agora!Não te disse que ia dar tudo certo?

Algumas horas podem demorar dias para passar, mas acabam passando. Arrastadas, carregando em si todas as aspirações, divagadas em madrugadas insones. Espaçadas pelo inevitável medo do erro. Percebe-se fraco.

Agora mesmo, tava quase dormindo e pensei em você. Pensei nas milhares de vezes em que preferi deixar pra lá, e de repente preferi não pensar. Alternativa falsa.

Mas tá tudo bem agora.

segunda-feira, janeiro 10

Por fazer

Passamos um tempo juntos, sentados na praça e falando de obviedades. Daquilo que a gente por um tempo fingiu não saber, nem ser, algumas ganharam destaque ao longo dos anos.
Todos os toques do telefone se tornaram algo de especial, pode ser você. Quando um desavisado me manda uma mensagem para uma futilidade qualquer, quando me falam de alguma promoção, quando não seu número no meu celular, eu desconverso rápido e volto a esperar.
Não é que eu penso em você logo cedo, nem que antes de eu dormir eu peça pra Deus guardar teu sono,é que eu realmente não te esqueço.Na minha memória é sempre uma sombra que contorna meus sonhos e pesadelos. Presença de ti é panacéia das minhas loucuras, dos meus desvios.
Essa madrugada eu tentei desenhar um esboço de ti, mas desanimei logo, assim que percebi que não consigo te ver nos meus traços (é só um jogo de palavra infantil, te vejo nos meus braços). Há muitas coisas que eu tenho que fazer todos os dias, que sustentam a minha saúde, uma coleção de vícios de linguagem.
Não consigo não dizer que amo você.