segunda-feira, julho 8

A do amor

Meu bem, a gente renasceu! Ou não, renasce quem já morreu algum dia, e nós não.
 
 
 
Ele juntou coragem, toda aquela que não tinha por si só (se bem que só juntou a coragem por saber que não era só, por mais que a vida e o destino insistisse que deveria ser). Já era quase 10, tinha ficado o dia inteiro indo ou não indo, bem-me-querendo e mal-me-querendo, enchendo o quarto de pétalas e a cabeça de sonhos.
Se o dia ia acabando em noite escura, se já era tempo que tinha que se desviar dos próprios desejos, se havia tantos ses havia tanta a vontade imensa a engolir os medos.
 
Pesou contra o banco na praça da frente da casa dela, ligou como se fosse sem querer, pediu desculpas sem querer pedir, óbvio que não era sem querer.
 
Eu sei, você sabe, todo mundo sabe, e até ela sabe que não era assim. Na verdade, era uma lua como todas as outras luas, pensando nele mirava o celular pensando em ligar, mas tinha apagado o número depois da briga.
E quando tocou o telefone encheu de si mesma.
Estranho não? Nem tinha certeza quem era, mas parecia conhecido o telefone na tela, parecia uma cena que vivera tantas e tantas vezes.
Estranho, era aquele menino estranho que até hoje fazia dela mais dela mesma.
 
-Oi.
-Oi?
-Oi com ponto de interrogação?
-É que faz tempo que não ouço oi.
-Gente mal educada nessa cidade, te digo oi então.
-Não, seu oi faz tempo.
-Ah, desculpa.
-Desculpa?
-É, te liguei, desculpa.
-Não precisa pedir. Quer dizer, você me ligou por?
-Sem querer, foi sem querer.
-Ah.
-Queria por querer?
-Nem sei.
-Como você tá pequena?
-To sorrindo, faz tempo.
-Do oi de novo?
-Do pequena.
-Desculpa, ainda não consigo evitar.
-Que você tá fazendo?
-Agora? Te ligando.
-Não, que você anda fazendo?
-Nada, na verdade liguei sem querer.
-Lembrei de uma vez, você me disse que sempre que alguém dizia "na verdade" tava mentindo. E eu perguntei o que você andava fazendo, e não se tinha ligado por querer.
-A gente se conhece tanto.
-Tanto que sei que não foi sem querer.
-Você já esperava?
-Desde a briga.
-Desculpa, eu só queria poder te ver.
-A gente marca de se encontrar, pode ser?
-Pode ser quando eu não aguentar mais ficar nem um minuto sem te ver?
-E quando vai ser?
 
Ele se levantou, deu uns dez ou quinze passos e tocou a campainha.
Ela sorriu, era previsível, mas sorriu.
Tinham discutido e terminado pela última vez meses antes, foram obrigados a tentar mudar a rotina para não mais se encontrarem, mesmo que o fizessem sempre quando encostavam no travesseiro. Mesmo que o coração gritasse que ainda não era o fim, tinham medo, e quase que se acostumaram que ia ser assim mesmo que iam fazer a vida, longes um do outro. Mas ele já não aguentava mais, ela já não se segurava, e por isso parecia tão natural parecer que não tinham passado nem mesmo um minuto distantes.
 
-Você tá bonita, você é bonita.
-Você é você, já serve.
-Tinha saudades, e quando tava quase esquecendo alguém vinha me falar de você.
-Não é fácil deixar passar depois de tanto tempo juntos.
-Nós crescemos juntos.
-Eu ainda não cresci.
-Você me completa.
-E vice-versa, que nem feijão com arroz.
-Música.
-Eu.
-Que tal nós?
-Nós?
 
Marina pensou bem, foi difícil esse tempo sem ele, mas ainda doía algumas partes desse amor.
 
-Eu não sei, tem certeza?
-Como nunca tive.
-Antes já disse ter.
-Agora é pra valer, volta.
-Nem sei se eu fui.
-Então fica.
-Não consigo, ainda não consigo. Acho que não consigo.
-Fica?
 
Marina respondeu com os olhos. E eu sei, você sabe, eles sabem que é agora é pra sempre, e sempre é amor.