segunda-feira, junho 14

na reitoria,samba curitibano

Ele desceu com pressa as velhas e cadentes rampas daquele prédio velho e decadente,o elevador do qual tanto tinha medo havia parado no andar errado e agora era preciso andar pois havia perdido o tempo.Nas costas a mesma bolsa de anos antes,ela havia resistido a tantos sonhos expressos em alguns poemas mal-escritos carregados em seus inúmeros bolsos e compartimentos.Todos os remendos eram ignorados e se por acaso rasgassem sabiam que seriam mais uma vez remendados,remendos, remendados pela milésima vez.Tinha no pé um all-star velho,nas pernas uma calça jeans azul claro rasgada ocasionalmente nos joelhos,calças que guardavam lembranças do que era ter uma barra bem feita.Uma camisa preta,um óculos quebrado,um brinco e a tatuagem de um desenho de Poty.Tinha mais na cabeça que um cabelo bagunçado dessa onda démodé,tinha idéias e a vontade de consertar tudo isso aqui.Tinha apenas o desejo de ser feliz assim,sem precisar mostrar os dentes a qualquer desconhecido. Bobagem julgá-lo um vampiro, seus passeios noturnos e perigosos por uma XV pouco turística eram só um passatempo e a forma de se sentir mais ainda filho desse chão de petit pavé adornado de alvinegras panacéias paranistas.

Seu pavimento era chegado,seu tempo apertado.Fez da corrida seu passatempo forçado,não corria desde...desde...desde não sei, talvez até mesmo desde algum passeio dominical no Barigui,passeio perdido em algum lugar do tempo num passado nada recente.Correu,mas agora estava em um lugar seguro,no meio daquelas poeiras emparedadas podia ver e sentir.Dirigiu-se ao guichê, e ainda de longe reparou que havia ali uma silhueta desconhecida,não havia a idosa e simpática bibliotecária com cara de tartaruga com a qual sempre se acostumara.Ao chegar mais perto ressaltou a idéia de que não havia ali nenhuma tartaruga,havia ali uma bela flor parecida com tantas flores que já havia visto,especialmente nos passeios pelo Tanguá ou pelo Botânico,porém esta era especial,esta era uma orquídea colorida,aquela era a flor que coloriria de cores quentes os azuis de sua bela vida.Bela vida?De repente acordou,que sonho era este?Havia se perdido nos olhos e cabelos de uma bela desconhecida,mas quantas belas já havia visto antes?Quanta insensatez chamar de paixão isso que sentiu pela primeira vez,pensava,mas também pensava:mas quem é que falou em paixão?

Pegou as chaves do guarda-volumes e arremessou calmamente sua mochila pra dentro daquele cubículo,ainda sem prestar atenção em nada trancou a portinha.Saiu a procura de algum Machado de Assis pra poder reler no fim-de-semana,quem sabe sobraria tempo entre os estudos pras suas finais.Resignado tirou o livro de Lingüística do armário e olhou ao fundo as pétalas,sépalas e corola de sua flor.Sabia que iria ter que andar de novo até lá,e no caminho foi pensando nas inúmeras declarações de amor que poderia fazer,é claro que não faria nenhuma,afinal era uma mera estranha, o fato de sonhar ter ela pelo resto da vida não tira dela o mérito de ser uma mera estranha,e quem sabe um dia isso há de mudar!

Passou direto ao guarda-volumes,e desta vez deixou cair pelos cantos um olhar para ela,gabou-se de estar tomando mais um passo rumo ao seu futuro.Pera ai,porque estava pensando desse jeito?Com quantas meninas já havia ficado antes?Não era nenhum mulherengo,mas nunca recusou trocar conversas numa noite no Largo da Ordem,já havia transformado amigas em namoradas e agora estava se gabando de ter desviado o olhar para a nova bibliotecária?E além do mais, sabia que os olhos só a miraram pois esta estava entretida com algum livro velho e nem havia percebido seu tal passo rumo ao futuro.Tentou se conter,não sabia o que estava acontecendo em seus pensamentos enquanto tirou a acabada mochila verde do armário.

Era a hora,não estava apaixonado!Ou estava? Logo era só devolver as chaves e entregar os livros para a flor,digo, para a bibliotecária.E o fez,o tempo todo desviava seu foco,tentou pensar no Atletiba do domingo mas lembrou que era paranista,estava confuso e isso não poderia negar.Ao receber o livro já devidamente registrado tomou o fôlego necessário,levantou a cabeça e encarou aqueles olhos oblíquos de cigana dissimulada e abaixou de novo a cabeça pois estava rubro de vergonha,sentiu em suas mãos o toque macio da branqueza da pele amada,toque provocado pelo provável acaso entre o entregar e o pegar o Machado.Assinou rapidamente seu nome,e num ato desesperado de hombridade levantou a cabeça e sorriu,disse “obrigado” e viu surgir de canto de boca um sorriso tão desajeitado quanto o seu.Sentiu-se bem mais feliz.

Ele desceu calmamente a rampa da reitoria enquanto sorria aberto todos que passavam pela estreiteza daquele sobe e desce.Quase tropeçou algumas vezes distraído e com uma cara de bobo alegre.Nada importava agora que havia encontrado o grande amor da sua vida,e poderia nem mais a vê-la.E afinal até mesmo a declaração de amor havia feito.Já ela,bem...ela voltou ao seu livro,não
sem antes ficar pensando naquele moço desajeitado,ele tinha lá seu charme.