sexta-feira, outubro 22

Tempo,pássaros e o carro

Um minuto é um pássaro pousado, olhando pra frente, passeando ao passo de alguma dança lenta. Os dias são uma ave de rapina com um vôo seguro e firme, rápido. Os anos são uma revoada, que se vai de acordo com o tempo, que das minhas mãos e logo está tão longe que nem posso mais enxergar.

Há alguns eu tinha uma coleção de medos, alguns normais como o escuro e a janela do quintal, outros nem tanto, e o maior deles era ser atropelado por um carro invisível. Sempre ao atravessar uma rua olhava pros dois lados, e depois de novo, mais alguma vez, em geral a sexta olhada era a de segurança, que permitia que eu avançasse, e logicamente era sempre o tempo do carro que estava na outra esquina chegar mais perto. Era melhor assim, eu gostava de enxergar o perigo que eu enfrentava, não que eu saísse correndo na frente de um automóvel, eu só queria atravessar a rua e não me matar.Porém o que eu sempre evitava mesmo era atravessar a rua vazia, vai que numa dessas fosse atingido pelo imprevisível carro sem imagem, e estatelado no chão não houvesse nem placa pra anotar. Parece loucura, e até é, mas é um medo, e como todo medo eu o respeitei.

Quando eu reviro os arquivos do meu computador eu tenho a impressão de que as coisas têm passado rápido, não é que eu me sinta um velho. Até sinto que sou novo demais, e é isto que de alguma forma me incapacita para tanta coisa que quero para o agora, mas consequentemente é o que possibilita que eu possa ainda ter chances de lutar por quase tudo o que almejo. Aliás, é bem engraçado ver alguém tão jovem falar que o tempo tem passado rápido demais, mas passa então eu falo. A semana demora uma eternidade, eu conto cada dia, cotidianamente ao abrir a porta do serviço penso nas seis horas de trabalho que tenho pela frente, em cada começo de aula de química fico sonhando que as 50 voltas do relógio voem. Mas só o que voa são os anos, já tenho me perdido em datas, confundindo há quanto tempo aconteceu algum encontro, e estranhando quando associo que algo que parece tão recente ocorreu tem 8 anos.

Eu não ligo que tudo passe rápido, até quero. E sei que é só quero agora que quero, enquanto penso no futuro, quando eu pensar no passado vou sentir que fui atingido pelo carro invisível. Sinto que sem notar eu mudei o calendário, que a minha agenda deste ano já não tem mais utilidade, e assim se vão os calendários e as agendas. A única diferença é que agora não tenho medo, só quero viver, se a vida reveza cada uma de suas fases como solistas, alguns mais brilhantes e outros desafinadamente esforçados, eu quero ouvir a todos, e tocar com eles.